O Guia do Jardineiro Preguiçoso
Como poupar dinheiro, tempo e ajudar o planeta ao fazer menos? No seu próprio jardim.
Por Nathaniel Reade
A população de Gig Harbor, Washington, há muito que se queixava da desordem existente num nó rodoviário da cidade. Tratava-se de um terreno de aproximadamente 1,2 hectares, negligenciado e coberto por relva alta e plantas invasoras, que não dignificava esta comunidade de 12.000 habitantes, localizada a sul de Seattle, junto ao Puget Sound. Para resolver a situação, membros do Rotary Club de Gig Harbor voluntariaram-se para limpar a área com tratores, repetidamente, durante vários anos.
Para os rotários Gary e Chris Pellett, esta abordagem não fazia sentido. Chris é uma jardineira experiente que colaborou com grupos de conservação, e o seu marido, Gary, trabalhou no setor das plantas durante 50 anos. Ambos sabiam que a relva cortada não beneficia pássaros, abelhas ou outros polinizadores essenciais para o nosso planeta, sendo provavelmente uma das coberturas de solo mais artificiais, dispendiosas, poluentes e exigentes em termos de manutenção.
Assim, os Pellett propuseram a renaturalização. Em vez de manter aqueles 3 acres permanentemente cortados, sugeriram plantar árvores e arbustos nativos da região. A flora autóctone, por ter evoluído ao longo de milhões de anos para se adaptar às condições locais, é geralmente mais fácil de manter e traz maiores benefícios para o ecossistema. Uma vez plantadas e estabelecidas, estas espécies requerem pouca intervenção humana, permitindo que a natureza siga o seu curso e que a comunidade desfrute de um ambiente semelhante ao de uma reserva natural local.
Esquerda: Chris Pellett (na foto) e o seu marido, Gary, propuseram a renaturalização de um terreno junto a um nó rodoviário. Direita: Membros e amigos do Rotary Club de Gig Harbor colaboraram na conclusão da plantação. Cortesia de Gary Pellett
E como foi recebida a ideia deles? De acordo com Gary Pellett, uma pessoa amável e de trato fácil: “há muita resistência à mudança na nossa espécie.”
Os Pellett e muitos outros rotários que trabalham na proteção do ambiente apontam para as investigações de especialistas como Douglas Tallamy, entomólogo e ecologista na Universidade de Delaware. Tallamy tem alertado para os perigos de ignorar as necessidades do planeta na gestão do território — desde os jardins das nossas casas até às bermas das estradas e aos parques urbanos. Ele acredita que muitos de nós mantêm uma relação quase hostil com o mundo natural de que dependemos, alimentando medos irracionais em relação à vida selvagem — especialmente os insetos. “Temos de abandonar a velha ideia de que os humanos estão aqui e a natureza está noutro lugar”, escreve Tallamy no seu livro Nature’s Best Hope (A Melhor Esperança da Natureza).
Sem insetos polinizadores, perderíamos cerca de 90% das espécies de plantas com flor do planeta. A ausência de abelhões nativos na Austrália, por exemplo, levou alguns produtores de tomate a recorrer a abelhas-robô, cada uma com um custo de produção de cerca de 10.000 dólares. Os insetos são tão essenciais à nossa sobrevivência que o biólogo E.O. Wilson afirmou: “Se toda a humanidade desaparecesse… o mundo regenerar-se-ia até voltar ao rico estado de equilíbrio que existia há 10.000 anos. Mas se os insetos desaparecessem, o ambiente terrestre colapsaria num caos.”
Plantas e animais estão a desaparecer a um ritmo alarmante — o fenómeno já foi apelidado de “sexta extinção” — em grande parte devido à perda de habitat provocada pelo avanço das atividades humanas. Isso acontece sobretudo com a expansão das cidades, estradas, explorações agrícolas e pecuárias, mas também com a substituição da flora nativa por relvados nos nossos jardins, que tem um efeito cumulativo. Nos Estados Unidos, um estudo sobre zonas residenciais construídas entre 1990 e 2005 revelou que 92% da área disponível para paisagismo foi ocupada por relvados. Hoje, estima-se que cubram cerca de 45 milhões de acres no país — quase tanto quanto os seus parques nacionais. Para além de ser provavelmente a cobertura de solo mais dispendiosa e exigente em manutenção, o relvado é, segundo Tallamy, um verdadeiro “deserto biológico”.
Um jardim colorido dá as boas-vindas aos moradores de um conjunto habitacional em Xangai. Weijie Gai (à esquerda) liderou o projeto.Cortesia de Weijie Gai.
Tallamy propôs que a gestão do nosso território tenha em conta não apenas a aparência ou a tradição, mas também o mundo natural do qual dependemos. Salienta que os jardins, nos Estados Unidos, constituem em conjunto um ecossistema com a dimensão da região da Nova Inglaterra, pelo que algumas mudanças simples podem ter um impacto extremamente positivo para o planeta. E, segundo ele, uma das principais mudanças necessárias é precisamente a nossa relação com os relvados.
Tallamy afirma que “os relvados são péssimos a fornecer os serviços ecológicos essenciais dos quais todos dependemos.” Produzem menos oxigénio, purificam menos água, retêm menos carbono, não oferecem alimento nem a nós nem à maioria dos seres vivos, e exigem mais tempo e dinheiro para manter do que outras formas de plantação. Nos Estados Unidos, a rega de relvados e outros usos residenciais exteriores consomem, em média, mais de 26 mil milhões de litros de água por dia. Em regiões áridas do oeste do país, até 60% da água doméstica é usada para regar relvados. Algumas cidades e estados, como o Nevada, impuseram restrições à utilização de relvados com relva, chegando mesmo a exigir a sua remoção em determinadas propriedades, substituindo-os por soluções paisagísticas mais sustentáveis e adaptadas ao clima desértico.
Metade do fertilizante azotado aplicado nos relvados acaba por escorrer, contaminando rios, ribeiros e águas subterrâneas. Os sacos de fertilizantes e pesticidas vendidos nas grandes superfícies são prejudiciais ao ambiente — e possivelmente também à saúde humana. Cerca de 40% dos produtos químicos utilizados pela indústria da manutenção de relvados nos EUA estão proibidos noutros países por serem considerados cancerígenos. Além disso, dezenas de estudos revelam uma ligação entre pesticidas usados em relvados e linfomas, sendo os animais de estimação e as crianças os mais vulneráveis.
Por que razão a nossa obsessão por relvados? Não existe uma resposta definitiva. Tallamy sugere que, talvez, nos faça sentir que a natureza selvagem perigosa foi dominada. Outros afirmam que apelam ao nosso antigo legado evolutivo nas savanas africanas, onde as amplas vistas nos faziam sentir seguros face a ameaças. Alguns apontam que, nos primeiros anos dos Estados Unidos, os ricos e influentes das suas propriedades tentavam demonstrar a sua sofisticação imitando os palácios ingleses, criando não apenas enormes relvados — que eram proibitivamente caros de manter para a maioria das pessoas — mas também plantando arbustos e árvores provenientes da Europa e Ásia. Dois séculos depois, ainda associamos um jardim de relva aparada e arbustos não nativos podados para se assemelharem a pequenas bolas de relva como sinais de riqueza e sucesso.
Talvez seja também o poder das empresas de produtos químicos e maquinaria para jardins, que nos dizem incessantemente que as larvas ou o trevo revelam o nosso fracasso moral. Ou talvez seja apenas ignorância: uma das coisas mais simples que podemos fazer num jardim é apará-lo. E isto não é exclusivo dos Estados Unidos; em 2022, 65% das vendas de cortadores de relva vieram de fora da América do Norte.
Independentemente da razão, os especialistas de hoje apontam que o relvado, o corta-relvas, os herbicidas, os inseticidas, as mulching anuais e a remoção de folhas são tudo trabalhos inúteis, dispendiosos e prejudiciais ao mundo natural do qual dependemos. Todos poderíamos poupar dinheiro, reduzir as emissões de carbono, proteger a vida selvagem e ganhar o nosso próprio tempo se simplesmente fizéssemos menos manutenção de relvados. A solução win-win,, em outras palavras, é a renaturalização, ou o que também podemos chamar de jardinagem preguiçosa.
Como renaturalizar o seu jardim
Reduza o relvado: A relva é a cobertura de solo menos amiga do ambiente para a maioria dos climas. É agradável para jogos e festas no jardim, por isso pergunte a si mesmo quanto realmente precisa e encontre maneiras de deixar o resto do seu jardim ir para o estado natural.
Plante espécies nativas: Ao contrário das plantas trazidas de outros continentes, as variedades nativas são mais fáceis de cultivar porque evoluíram para sobreviver nas condições locais e podem naturalmente resistir aos predadores. Se vive nos Estados Unidos, pode encontrar listas de plantas nativas para o seu código postal em sites como o National Wildlife Federation’s Native Plant Finder.
As folhas são alimento: Poucas coisas são tão inúteis quanto transportar as folhas caídas no outono e depois comprar mulch (um tipo de cobertura morta) na primavera — que pode conter ingredientes estranhos como detritos de construção e ter sido pintado com corantes artificiais. As folhas são uma cobertura excelente e são gratuitas.
Deixe-se ir um pouco: Aqueles “ervas daninhas” que tem andado a puxar ou a pulverizar podem ser polinizadores — e até belas. A solidago, por exemplo, apoia várias espécies de insetos, e o mal-nomeado cardo-leiteiro não é só mais perfumado do que muitas variedades de rosa, mas é vital para a sobrevivência das borboletas-monarca. Folhas, ramos e árvores mortas fornecem habitat para todo o tipo de coisas benéficas.
Não pulverize nem fertilize: Os americanos usam cerca de 13 milhões de toneladas de fertilizantes nitrogenados inorgânicos todos os anos, o que liberta seis vezes essa quantidade de dióxido de carbono e outros gases de efeito de estufa na atmosfera. A fertilização também incentiva plantas invasoras não-nativas, que pressionam as nativas.
Utilize máquinas elétricas: Com o seu relvado reduzido ao tamanho que realmente utiliza, o seu jardim será fácil de manter com um corta-relvas elétrico e um soprador de folhas, que são mais baratos, duram mais e não emitem fumos nocivos.
Comece uma longa jornada com pequenos passos: “Pode ser tão simples como plantar uma árvore de carvalho nativa, pois sabemos que atraem os polinizadores em maior quantidade”, aconselha o rotário e defensor dos polinizadores Chris Stein. “Até algumas plantas nativas numa varanda ajudam. Está cientificamente comprovado que aumenta a diversidade de insetos nas áreas urbanas.”
Os membros do clube de Chris e Gary Pellett em Gig Harbor estavam preocupados sobre que tipo de jardim deveriam plantar junto ao nó rodoviário, com a manutenção contínua e se haveria voluntários suficientes para realizar o projeto. No final, concordaram em plantar uma parte com plantas cuidadosamente selecionadas, não apenas por serem nativas da região, mas também por serem particularmente benéficas para os polinizadores. Especialistas executaram listas do que Tallamy chama de plantas-chave, que oferecem benefícios adicionais para os insetos benéficos. Segundo o Native Plant Finder da National Wildlife Federation, por exemplo, uma árvore de salgueiro em Gig Harbor sustenta 339 espécies de borboletas e mariposas, enquanto um castanheiro da Índia sustenta apenas 13 — e uma árvore não-nativa como um ginkgo pode não sustentar nenhuma espécie.
Os Pelletts e o seu clube começaram a planear o projeto em 2022, trabalhando com o departamento de transportes do estado, que é proprietário do terreno. Depois, Gary diz: “Sendo bons rotários, comprámos as plantas e pusemos mãos à obra.”
Cerca de 30 pessoas e uma máquina de escavar apareceram num dia frio de fevereiro de 2023 para plantar cerca de 175 árvores e arbustos, incluindo abetos, pinheiros, carvalhos, ameixa indiana, corniso de ramos vermelhos e uva-do-oregon. Projetos ambientais costumam atrair gerações mais jovens, e este não foi exceção. Chris Pellett afirma que o projeto atraiu vários membros mais jovens e novos do clube. E a reação da comunidade local e da imprensa foi tão entusiástica que o clube pretende plantar mais.
Cima: Restauração de zonas húmidas ao longo do rio Boise em Idaho. Cortesia de Laurie Zuckerman. Esquerda: Jardim para polinizadores em Shoreview, Minnesota. Cortesia de Charlie Oltman. Direita: Membros do Rotary viajaram entre Windsor, Canadá, e Michoacán, México, para educar as pessoas sobre as borboletas-monarca. Créditos da imagem: Monika Lozinska
Este é apenas um dos muitos projetos de renaturalização do Rotary em todo o mundo. Chris Stein, guarda-florestal do National Park Service, presidente da task-force de polinizadores do Environmental Sustainability Rotary Action Group’s (ESRAG) e líder da Operation Pollination, afirma que cerca de 200 clubes do Rotary em seis continentes já assinaram um “compromisso com os polinizadores” e começaram projetos para expandir o habitat de insetos benéficos. Weijie Gai, por exemplo, um ex-Rotaracterista e membro do ESRAG em Xangai, mobilizou os residentes do seu prédio para plantar o espaço à frente do edifício. Clubes do Rotary no México e nos Estados Unidos angariaram fundos e começaram a plantar 60.000 árvores de oyamel (abeto sagrado), habitat de inverno para as borboletas-monarca, num santuário no estado mexicano de Michoacán. Dez clubes do Rotary no sudoeste de Idaho estão a trabalhar juntos para restaurar 18 acres de zonas húmidas ao longo do rio Boise.
E muitos membros do Rotary, como Chris e Gary Pellett, estão também a transformar os seus próprios quintais e jardins. Eles “não são fãs de relvados há muito tempo”, diz Chris Pellett. Transformaram o seu jardim num oásis para polinizadores, removendo a relva e adicionando plantas nativas, pedras ornamentais e outras características de baixo custo e manutenção. O resultado foi contas de água menores, mais borboletas, mais aves, tanto em número como em diversidade e muito mais tempo livre para relaxar e aproveitar o ar livre.
“Há pessoas que me dizem: ‘Isso dá tanto trabalho’”, diz Chris. Ela admite que o esforço inicial para plantar plantas nativas é maior do que simplesmente cortar o relvado. Mas, passados cinco anos, “acho que gasto um décimo do tempo de alguém com um relvado. Tenho que fazer um pouco de poda na primavera e alguma apanha de folhas no outono, e é mais ou menos isso. Enquanto um relvado consome muito tempo, dinheiro, fertilizante e exige corte todas as semanas. Pense em todas essas horas.”
E não será esse o verdadeiro motivo para ter um jardim? Aproveitar os movimentos, sons e cheiros do mundo natural? Como Rachel Carson disse uma vez: “Aqueles que habitam… entre as belezas e mistérios da Terra nunca estão sozinhos ou cansados da vida.”
Esta história foi publicada originalmente na edição de setembro de 2024 da revista Rotary.