Tráfico Humano
Causas

Membros do Rotary têm como objetivo erradicar o tráfico humano

O combate ao tráfico humano, que afeta cerca de 40 milhões de pessoas, é o objetivo do Grupo Rotary em Ação contra a Escravidão e de vários Rotary Clubs focados em causas.

Por Frank Bures

Quando Dave McCleary ouviu falar do tráfico de pessoas pela primeira vez, achou que aquilo era uma coisa distante, que provavelmente acontecia no exterior. Mas não nos Estados Unidos. E certamente não na sua cidade natal.

Então, um dia, convidou uma palestrante que tinha uma perspetiva diferente para fazer uma apresentação no seu Rotary Club, em Roswell, no estado da Geórgia. O seu nome era Melissa. Era da cidade e tinha estudado na mesma escola do ensino secundário que as filhas de McCleary. Melissa abandonou os estudos aos 16 anos porque recebeu uma proposta para trabalhar como modelo de alguém que, na verdade, era traficante da indústria do sexo. Durante dois anos, foi aprisionada e traficada no centro de Atlanta, antes que a polícia e uma organização local a ajudassem a fugir.

Após a reunião, outro rotário aproximou-se de Melissa e deu-lhe um grande abraço. McCleary perguntou como é que ele conhecia a jovem. O membro respondeu que Melissa tomava conta dos seus filhos quando tinha 12 anos, e que não sabia o que lhe havia acontecido.

“Para mim, foi então que a situação se tornou real”, diz McCleary, que hoje preside o Grupo Rotary em Ação contra a Escravidão. “Aquilo não era mais um problema de outra pessoa. E eu lembro-me de na época pensar: ‘Rotary – presente em 200 países, com 34.000 clubes e 1,2 milhão de membros, e dedicado a resolver questões difíceis. Por que não a escravidão?’”.

Alunas a caminho da escola no Pace Universal, uma instituição para meninas em Piyali Junction, perto de Calcutá, na Índia, que é parcialmente financiada por Rotary Clubs e pela Fundação Rotária. A escola foi fundada pela rotária Deepa Biswas Willingham para educar meninas e protegê-las de escravidão, tráfico e casamento infantil numa comunidade onde estes são perigos comuns.

Dos diversos problemas globais, o tráfico de pessoas (ou escravidão moderna, como às vezes é chamado) é um do mais difíceis de combater. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas sejam traficadas em todo o mundo. “É provavelmente a maior atrocidade relacionada com os direitos humanos hoje em dia”, afirma Karen Walkowski, fundadora do Rotary Club do District 5950 Ending Human Trafficking. “Afeta mais pessoas do que todos os refugiados e todos os deslocados somados. É uma das três maiores indústrias ilegais, gerando cerca de 150 mil milhões de dólares em receitas por ano.”

“Eu peço às pessoas para pensarem em Nova York, Londres ou qualquer grande cidade do mundo”, explica Sujo John, fundador da YouCanFreeUs, uma entidade sem fins lucrativos que tem parceria com Rotary Clubs. “Depois, digo para multiplicarem a população dessas cidades por seis ou sete. Este é o número de pessoas que foram sequestradas ou enganadas, ou que ouviram promessas de que se fossem para tal cidade, ou mesmo outro país, teriam uma oportunidade melhor.”

Dos diversos problemas globais, o tráfico de pessoas é um do mais difíceis de combater. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas sejam traficadas em todo o mundo.

Uma estudante do Pace prepara-se para celebrar o festival Holi.

O tráfico sexual é um tipo de escravidão moderna, mas existem outros que se enquadram na categoria de “tráfico de mão de obra”, no qual as pessoas se veem presas a empregos nos setores de silvicultura, agricultura, restaurantes, feiras ou vendas de assinaturas de revistas por equipes itinerantes de jovens, e não têm permissão para abandonarem tal situação.

“As pessoas perguntam-me onde a escravidão acontece nos Estados Unidos”, conta John. “Passe de carro por qualquer cidade durante a noite. Se vir um letreiro de néon que diz ‘massagem’, é provável que seja lá onde a escravidão esteja a acontecer. Pode haver mulheres estrangeiras mantidas no local contra a sua vontade e forçadas a prestar serviços sexuais.”

Mark Little, do Rotary Club de Norwich St. Edmund, na Inglaterra, não sabia de nada disso até que a sua esposa o convenceu a ver um documentário da BBC sobre o assunto. “Eu pensei: ‘Escravidão nos Estados Unidos? Certamente que não. Escravidão no Reino Unido? Nunca. Milhões de escravos na Índia?'”.

Mas lá estavam eles.

“Aquilo realmente abalou-me”, diz Little. “Depois de quatro meses, eu fui à Índia para visitar dois dos centros de reabilitação de escravidão infantil que foram apresentados no documentário. Ouvi o testemunho de alguns dos sobreviventes que encontrei naquela primeira visita, os quais estavam no processo de reconstrução das suas vidas. Pensei: ‘Meu Deus, o que está a acontecer no mundo? Temos de fazer algo quanto a isto!'”

Little fundou o Grupo Rotary em Ação contra a Escravidão, que tem 675 membros em 49 países, e cujo boletim informativo chega a cerca de 3.800 pessoas.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, pelo menos três novos clubes baseados em causas foram formados para combater o tráfico de pessoas. Além do clube de Walkowski, existe o Rotary Club de Community Action Against Human Trafficking, que foi fundado no Kansas, e o Rotary Club de Pacific Northwest Ending Sex Trafficking, com sede em Seattle.

Este último foi fundado por Virginia McKenzie depois do representante de uma organização antitráfico local ter dado uma palestra no seu antigo clube, o Rotary Club de Seattle, sobre um anúncio falso que colocava uma criança de 15 anos à venda para fins sexuais. Em duas horas, eles receberam 250 ligações, a maioria de empresas do centro de Seattle. “Ficámos chocados”, diz McKenzie. “Para mim, foi como se tivesse sido atingida por um raio. Instantaneamente senti raiva, medo e tristeza profunda, tudo ao mesmo tempo.”

Durante vários anos, McKenzie trabalhou na Comissão de Consolidação da Paz do seu clube em projetos relacionados com o tráfico. Entre outras coisas, eles formaram mil profissionais de saúde para detetar sinais de que alguém estivesse a ser traficado (como tatuagens de identificação, escoltas hipervigilantes, desconhecimento da cidade em que está ou de que dia é) e como responder de forma apropriada a traumas e em conformidade com a HIPAA (Lei de Portabilidade e Responsabilidade de Seguro Saúde, nos EUA). Mas queria fazer mais. Então, fundou o novo clube no ano passado, com 25 associados – a maioria deles novos rotários, juntamente com vários que haviam deixado o Rotary anteriormente.

“Este é um tópico que está muito em alta”, afirma. “É como se o mundo inteiro estivesse a acordar. Estou muito orgulhosa do Rotary por assumir esta responsabilidade e sinto-me otimista quanto ao papel que os rotários podem desempenhar para causar impacto.”

Dave McCleary, presidente do Grupo Rotary em Ação contra a Escravidão; Shekhar Mehta, presidente do RI de 2021-22; e Virginia McKenzie, fundadora do Rotary Club de Pacific Northwest Ending Sex Trafficking, no Instituto Rotary em Tucson, Arizona, EUA, em novembro de 2021.
Foto cedida por Virginia McKenzie

Outros clubes também têm tomado providências. O clube de McCleary organizou uma formação para ajudar motoristas de autocarros escolares a reconhecerem sinais de tráfico humano e aprenderem a intervir. Um companheiro do clube, que era dono de um McDonald’s, tinha o número da Central Nacional de Atendimento a Vítimas de Tráfico Humano impresso nas bandejas, o que resultou no resgate de cinco meninas num mês.

Em Sacramento, na Califórnia, houve um importante programa educacional patrocinado pelo Rotary, e no sul do estado, mais de duas dúzias de clubes aderiram à iniciativa de combate ao tráfico de pessoas. Enquanto isso, o Rotary Club de Community Action Against Human Trafficking recebeu vários Subsídios Globais para criar um centro de atendimento às vítimas em Topeka, Kansas, e um plano para educar as pessoas sobre como identificar pessoas exploradas. E em fevereiro, o Conselho Diretor do RI aprovou uma resolução contra o tráfico humano que incentiva os membros a familiarizarem-se mais com o crescente problema da escravidão moderna e a trabalharem para encontrar soluções.

Algumas histórias de sucesso não são sequer relacionadas com projetos: uma rotária da Argentina recebeu uma mensagem de uma mulher no México que conhecia através de sua rede de grupos ativistas. A mulher soube de uma menina que estava a ser traficada no estado de Michoacán, onde foi acorrentada a uma cama e torturada. A rotária argentina falou com o Grupo Rotary em Ação contra a Escravidão. Membros do grupo entraram em contacto com seus conhecidos na Cidade do México, e a menina foi libertada em 24 horas.

“Esse é o tipo de impacto que o Rotary pode causar”, diz McCleary, acrescentando que quer que o Rotary faça ainda mais. “Acreditamos que este é um movimento, não apenas uma série de projetos.”

Este artigo foi publicado na edição de julho de 2022 da revista Rotary.

Adaptado de Rotary International.