A questão urgente do lixo eletrónico
O lixo eletrónico ameaça o ambiente e a saúde pública. Programas de recuperação de equipamentos podem ser parte da solução.
Por Etelka Lehoczky
O fumo é negro e venenoso. Na Cisjordânia, palestinianos, desesperados por conseguir um meio de subsistência, recolhem equipamento eletrónico descartado — computadores, televisores, impressoras, cabos — e queimam-no para extrair pequenas quantidades de metais valiosos. O fumo resultante está cheio de químicos tóxicos que infiltram o solo, a água e os corpos das pessoas.
“As pessoas fazem isto apenas para conseguirem algumas centenas de shekels [moeda de Israel] em cobre, chumbo, o que quer que consigam recuperar,” diz Akram Amro, fundador da organização sem fins lucrativos Green Land Society for Health Development (Sociedade Terra Verde para o Desenvolvimento da Saúde, tradução livre) na cidade de Hebron, na Cisjordânia. “É simultaneamente uma oportunidade e um problema.”
Plumas de fumo nocivo, como as da Cisjordânia, podem ser encontradas em comunidades pobres de todo o mundo. À medida que o mundo se torna mais dependente de computadores portáteis, tablets e smartphones — e à medida que as pessoas atualizam continuamente os seus dispositivos — a necessidade de encontrar formas de reaproveitar ou reciclar em segurança os artigos eletrónicos antigos, ou lixo eletrónico, tornou-se urgente.
Amro e a sua organização estudaram os impactos ambientais e na saúde em aldeias próximas de locais de queima. Encontraram altas concentrações de chumbo e crómio nas nascentes que a população costumava usar para obter água. “Agora, as pessoas não podem usar a água desses poços, porque está negra e contaminada,” diz Amro, professor associado de fisioterapia na Universidade Al-Quds. “E encontramos evidências de contaminação no sangue das pessoas que trabalham e vivem nessas áreas.”
Se isso já não fosse suficientemente mau, Amro considera particularmente desolador que o fumo tóxico de dispositivos eletrónicos antigos provenientes de Israel esteja a afetar aldeias palestinianas onde muitas escolas não têm computadores para os alunos. Ele recrutou um clube Rotary em Jerusalém e outro nos Estados Unidos para ajudar a criar um programa para renovar computadores antigos para escolas, na esperança de desviar pelo menos alguns deles dos locais de queima.
O projeto-piloto de 13 mil dólares, financiado por um subsídio distrital e doações de vários clubes, contratou profissionais locais para limpar discos rígidos e atualizar componentes necessários. Desta forma, a iniciativa abordou outro problema na comunidade: proporcionou alguns empregos de qualidade, diz Merrill Glustrom, membro do Rotary Club de Boulder, Colorado. “Estão a renovar computadores, o que pode levar a programar computadores ou fazer renovações noutros contextos,” diz Glustrom, cujo clube tem colaborado com projetos semelhantes de reciclagem de artigos eletrónicos no Colorado. “Há muitas possibilidades para além de empregos sem futuro.”
Metais tóxicos e gases com efeito de estufa
Em 2022, foi gerada uma quantidade recorde superior a 62 milhões de toneladas de lixo eletrónico em todo o mundo, mas apenas cerca de um quarto foi formalmente recolhido e reciclado de forma ambientalmente responsável, de acordo com um relatório do Instituto das Nações Unidas para a Formação e a Investigação e outras organizações. A maior parte do restante foi queimada, descartada ou reciclada de forma insegura, libertando substâncias perigosas no ambiente e gerando altos níveis de gases com efeito de estufa. Investigadores estimam que o lixo de dispositivos como computadores, telemóveis e televisores de ecrã plano foi responsável pela emissão de 580 toneladas de dióxido de carbono só em 2020.
“Há uma gama de metais pesados nesses dispositivos — chumbo, cádmio, entre outros, que são tóxicos — e frequentemente encontram-se em águas subterrâneas próximas de locais de despejo,” explica Sara Brosché, consultora científica da IPEN – International Pollutants Elimination Network (IPEN – Rede Internacional para a Eliminação de Poluentes). “Também há químicos tóxicos nos plásticos do lixo eletrónico. Retardantes de chama, por exemplo, são muito comuns.”
Mas há uma alternativa. Assim como em Hebron, clubes Rotary em todo o mundo estão a reparar e atualizar dispositivos eletrónicos usados e a doá-los a pessoas que precisam.
Iniciativas de renovação em ação
Na Austrália, membros do Rotary Club de Chadstone/East Malvern recolhem dispositivos, renovam-nos e doam-nos a organizações sem fins lucrativos locais.
Em Taiwan, membros dos Rotary Clubs de Ping-Tung Feng-Huang e Kaohsiung obtiveram um subsídio global da The Rotary Foundation para financiar um programa de renovação numa escola secundária local. Tal como o programa de Hebron, este doa os computadores a escolas em áreas carenciadas. A iniciativa prevê doar 100 computadores até junho do próximo ano e entre 80 e 100 computadores todos os anos, diz Fu-Chuan Shih, membro do Rotary Club de Kaohsiung.
Com orientação, os alunos consertam os equipamentos antigos. “Permitimos que os alunos desmontem pessoalmente os computadores, limpem-nos internamente, reinstalem e testem o software, remontem-nos e realizem a classificação e embalagem final,” diz Shih. “Além de permitir que os estudantes contribuam de forma prática para a proteção ambiental, espera-se que a sua procura por equipamento informático deixe de ser apenas uma busca cega por velocidade e eficiência e reflita também uma preocupação com o ambiente.”
Em Itália, membros do Rotaract Club de Milano Sforza estão há quatro anos a trabalhar num programa de renovação financiado por um subsídio, lançado durante a pandemia de COVID-19. “Durante o período da COVID, muitos jovens precisavam de computadores e outros dispositivos para participar nas aulas à distância e fazer os trabalhos escolares,” diz Gianluca Cocca, responsável pelos projetos de serviço do clube. “Tenho formação técnica, então disse, ‘Ok, vamos fazer isto. Vamos começar um novo serviço.’”
Cocca teve de ensinar os seus colegas a renovar os dispositivos recolhidos, mas agora mais de 100 pessoas contribuem para o projeto. Os membros do clube limpam os computadores por dentro e por fora e atualizam alguns componentes, como discos rígidos, que estão demasiado desatualizados para as exigências atuais. Depois, doam o equipamento a organizações sem fins lucrativos locais.
O único problema? Cada vez menos dispositivos podem ser renovados. “Um computador feito há 10 anos é totalmente perfeito uma vez regenerado com bom software e alguma atualização de hardware. É adequado para reuniões no Zoom, coisas assim,” diz Cocca. “Mas atualizar um smartphone é muito difícil. Não conseguimos fazer nada com o hardware.”
Eletrónica ecológica
Isso acontece porque os telemóveis — e, cada vez mais, os tablets e portáteis — não são projetados para serem atualizados quando a sua tecnologia começa a falhar. Muitas vezes, as reparações em smartphones são muito difíceis ou impossíveis porque não é possível remover e substituir componentes sem danificar outras partes do dispositivo. Os fabricantes querem forçar as pessoas a comprar novos equipamentos regularmente, diz Brandon Smith, membro do Rotary Club de Wenatchee Confluence em Washington e proprietário de uma empresa de consultoria em TI. “É obsolescência programada. Os fabricantes fazem coisas como usar adesivo industrial na parte de trás do vidro do telemóvel. Quando parte, tem de ser removido pedaço por pedaço,” diz Smith, cujo clube liderou um evento de reciclagem de computadores no Dia da Terra no ano passado.
Existem, no entanto, exceções entre os fabricantes, pelo menos no que diz respeito aos computadores. Smith recomenda que consumidores ecológicos comprem dispositivos de empresas que projetam as suas máquinas para serem reparáveis e atualizáveis. Contudo, acrescenta que não são muitos os fabricantes que o fazem. Um exemplo é a Framework. “A Framework projetou a sua plataforma para ser totalmente atualizável, independentemente de qual seja,” diz. “Pode trocar o teclado, o trackpad, as portas, o ecrã. É muito interessante.”
Não existe uma verdadeira solução para o problema do lixo eletrónico, dizem especialistas como Brosché, exceto tornar todo o ciclo de vida dos eletrónicos de consumo mais ecológico. Infelizmente, a própria existência do problema é uma surpresa para muitos. Glustrom lembra-se de como ficou chocado quando Amro contou ao seu clube sobre os computadores queimados na Cisjordânia. Embora Glustrom se orgulhe do que o seu projeto-piloto alcançou, reconhece que esses esforços são apenas uma pequena parte de um movimento que precisa de ser muito mais abrangente.
“Vivemos numa sociedade descartável. Essa é a nossa mentalidade. E precisamos de passar, de alguma forma, para uma economia mais circular,” diz Glustrom. “Mas estamos a ficar sem espaço e tempo no nosso ambiente, e simplesmente não podemos continuar a viver assim. Temos de mudar.”
Esta história foi publicada originalmente na edição de janeiro de 2025 da Rotary Magazine.
Traduzido de The burning issue of e-waste, Rotary International.